No final da década de 60, vivi, por alguns meses,
em casa da tia Ricardina e pude admirar a azáfama do lar: o tio que saía para o
trabalho, os filhos mais velhos a trabalharem – o João na Alfândega, a Judite
no MRua, onde eu também trabalhei
alguns meses.
Em casa, a Mariazinha arrumava a casa, passava a
ferro e ia cuidando das mais novas sobretudo da Paulinha, a mais jovem. A
Adélia, a Zeza e a Luisa andavam na Escola. A tia, incansável, fazia as compras
e preparava a comida para os dez! Se havia espaços mortos, o trabalho nas
camisolas ( tinha uma máquina que lhe permitia fazer bonitas malhas, para casa
e sobretudo para fora) ocupavam-na até altas horas da noite no serão, enquanto nós
assistíamos ao seu trabalho ( com intervenções ativas do tio, que era um expert nas tarefas mais difíceis da máquina
de tricotar) víamos televisão, ouvíamos
rádio ou passávamos os olhos pelo JN do dia que o João já abandonara. Era uma
vida muito complicada, mas nunca vi a tia de má cara…pelo contrário, sempre
sorridente e compreensiva, mesmo para as travessuras dos mais novos.
Nunca esqueci a gratidão desta estadia no Porto.
Havia uma afetividade intensa que desenvolvemos reciprocamente ao longo dos
anos: muitos encontros no Porto ou na Beselga mantiveram um relacionamento muito
especial nas várias circunstâncias das nossas vidas. Nem a política, em que
divergíamos, nos separou, sobretudo porque a tia aparecia sempre para pôr fim
aos nossos desencontros ocasionais. Muitas histórias e recordações guardo deste
relacionamento.
Ultimamente, por acasos da vida complexa, os nossos
encontros eram menos frequentes. E fiquei mesmo em dívida com a tia que me
pedira para conhecer o meu 1º neto, filho da Paty, de quem eles tanto gostaram.
Os parcos meses de vida do Bernardo foram-nos levando a adiar a ida a casa da
tia! Agora, com o verão e a chegada das férias familiares, contávamos ir ver a
tia que tanto considerávamos. Quando o João me deu a notícia triste da morte da
tia, lembrei-me de imediato, com remorso, do último pedido que não consegui
cumprir. Preferi, depois, pensar que talvez a tia tivesse dito aquilo por
aquelas palavras de circunstância que, muitas vezes, se costumam dizer entre amigos.
Qual quê?! Quando cheguei ao último encontro com a tia, no velório, a Dite
recebeu-me com uma reprimenda afetuosa: a minha mãe disse que não cumpriste o
que tinhas prometido, não lhe trouxeste o filho da Paty. Não consegui esconder
as lágrimas teimosas durante toda a cerimónia. Só quando peguei na urna para levarmos a tia para a última morada junto do
tio, lhe fui explicando a impossibilidade de ter cumprido até aí o seu pedido.
E creio que a tia naquela última visão, com aquele ar sereno, me perdoou!
Obrigado, tia Ricardina, por todo o carinho que me dispensaste a mim, às minhas
filhas, à minha esposa!
-Mário Lourenço
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