sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A ESPERA DA BANDA DE MÚSICA É ASSIM... DURANTE TODA A NOITE!



NA BESELGA, FONTE DE RECEITA DESBARATADA, Senhor dos Passos fica sem "Poia"...

A História das nossas comunidades locais tem aspectos típicos que são documentos valiosos sobre a melhor maneira de vencer as dificuldades da natureza. Em todas as nossas aldeias, sabe-se como era difícil, até há bem pouco tempo, arranjar dinheiro. Diversão era imprescindível e dava a mão à religiosidade. Na Beselga, desde tempos imemoriais, o forte cunho religioso aperfeiçoou um conjunto de fontes de receitas: os fornos de pão, a poia, as ofertas para arrematar (no fim da missa de Domingo). Cabe às gerações actuais imaginar outras fontes de receita, mas salvaguardar as que os nossos antepassados nos legaram.
Já por várias vezes tive oportunidade de enaltecer a organização de todo o processo económico que está inerente à festa da Beselga. Para uma necessidade vital – o fabrico do pão – os privados (Mecenas de que hoje tanto se fala...) fabricaram os fornos . Os quintaneiros (aqueles que tinham as quintas arrendadas) forneciam à semana as” gestas” e pilros necessários para aquecer o forno. Os forneiros eram os organizadores de todo o processo do fabrico do pão, assim se criando, até, vários empregos na aldeia.
Durante a semana, o forneiro “marcava a vez” aos interessados e ia vigiando a simultaneidade de todo o processo nas várias casas: ia mandar amassar, tender e vir para o forno. Ao mesmo tempo, ia aquecendo o forno, varria-o usando uma série de instrumentos que todos nós, ainda há bem pouco, víamos à entrada do forno, junto à pia : o vassoiro, o rodo, a pá...
Havia algo de solene naquele barracão. Por várias vezes ao dia , ali se operava o milagre da multiplicação dos pães. As pessoas iam conversando sob a autoridade da forneira, num ambiente prenhe de responsabilidade, na penumbra do ambiente , todos os olhares convergiam para a lumieira que ardia à boca do forno, esperando, numa ânsia natural, pelo parto do pão que encheria de fartura as martirizadas casas aldeãs. Não sei porquê, mas o forno sempre se me figurou como a gruta de Belém. Entrava-se da rua por um amontoado de carros de lenha. A porta de madeira esburacada tinha uma graça rude de artista primitivo. Abria-se para um interior escuro em que só se via o brilho do sol ou das estrelas por uma ou outra telha partida. À esquerda havia lenha mais seca para iniciar os rituais do aquecimento do forno. À direita jazia a pia que refrescava o vassoiro aflito do inferno de brasas e a que se encostava o rodo, a pá de meter/tirar o pão e um pau enorme que ajudava no governo dos tições. À direita e em frente havia umas bancas em madeira que sustentavam os tabuleiros rebordados de alvíssimos panais. E como santuário no centro de todas as atenções, ao fundo do lado esquerdo estava o forno. A boca do forno tinha todo o aspecto de um sacrário. Ao lado, qual lamparina do Santíssimo, ia ardendo uma chamazinha que daria direito a uma bola à pessoa que a ia aguentando acesa, durante todo este sagrado processo. Era esta pessoa que costumava deitar a farinha na pá para o pão não se pegar à ferra.
A farinha que em todo este processo abundava (na pá, nos panais, nos tabuleiros ou mesmo no chão escuro de terra empedrada) dava um níveo ar de pureza a todo este templo do deus pão.
No final, começavam as receitas. Todos os que coziam tinham que dar um pão de poia. Este contributo era distribuído em quatro partes iguais: para a dona do forno (a tal Mecenas), para o forneiro, para o quintaneiro e para o Senhor dos Passos. Estes pães do Senhor dos Passos eram trazidos para o adro, ao Domingo, pelo mordomo da festa responsável e era arrematado no final da missa. O dinheiro desta venda ficava para a festa.
Pode parecer que era pouco. Certamente, mas era um pé de meia que permitiu, ao longo dos anos de miséria, fazer com que a festa da Beselga nunca tivesse desaparecido. Por isso, o forno era um templo respeitado por todos: para lá se ia conversar, aí se faziam deliciosas ofertas, aqui vinham os que andavam de “volta ao povo” comer um triguinho quente com açúcar, aqui as criancinhas se deliciavam com as bolinhas...
Em 1999, o forno foi esquecido…destruído, vendido. Possivelmente a abundância de recursos fez esquecer este mealheiro centenário da festa da Beselga.
Com a morte destas instituições, se há sentimentos, dói a amputação e morre dentro de nós uma grande parte do passado. A Beselga ficou mais triste, mais pobre.

-Mário Lourenço

sábado, 20 de agosto de 2011

CONVÍVIO CEIREIRO -- DIA 27 DE AGOSTO

Convidam-se todos os sócios, simpatizantes e amigos do Grupo Cultural e Desportivo "Os Ceireiros" a comparecer, no dia 27 de Agosto, para mais um convívio ceireiro, em que será servido mais um porco no espeto.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A MINHA IDA PARA FRANÇA A SALTO!

Acabara o antigo “quinto ano”. Não havia bolsa de estudo. Impossível sacrificar os parcos recursos que teriam de dar para os nove irmãos. De França acenavam experiências de colegas da aldeia. Procurou-se “o passador”, regateou-se o preço, marcou-se a viagem para dia incerto a confirmar na noite da partida.
Na aldeia viviam-se os preparativos da festa: respiravam-se odores gulosos, estrelejavam foguetes, contemplava-se o levantamento dos gigantescos pinheiros que, no Domingo serviriam para luxuoso palco em que os mordomos arrematavam as prendas da festa. Eu era mordomo. Terminámos altas horas da noite. Caí na cama, exausto, mas feliz. E de súbito...
- Acorda ! Está ali o passador, ides já...
Tombavam, dolentes, três ou quatro badaladas do velho relógio da torre aldeã. De sacola na mão e a mala aviada à pressa, lá ia eu tentar a sorte. Mas que noite tão dolorosa, aquela sexta-feira da festa de 1970...
Éramos dez ...quinze? Já nem sei. Só me recordo que, na escuridão, pelos vidros enevoados, rolávamos entre fumos e chamas de fogos que devastavam as terras de Portugal que eu ia perdendo “com uma lágrima no canto do olho”.
- Além, ao pé daqueles carvalhos, passa uma estrada com areão avermelhado. Antes, há uma casota onde os “carabineiros” costumam estar, mas daqui, do lado de cá dos carrapotos eles não vos devem ver...logo que piseis a estrada, estais em Espanha. Seguis em direcção às casas e esperais no café, junto da estrada.
Era o raiar da manhã . Com o coração apertado, a angústia de quem pode receber um tiro, a cadeia iminente...olhávamos em todas as direcções, como aves assustadas, e nem sentíamos os pés pelos terrenos pedregosos. Um último salto e Fuentes à vista...Tudo correra aparentemente bem! Demorou a carrinha do passador. Agitado, levou as mãos à cabeça e fez-nos sinal para irmos a pé, pela estrada. Que se passava?!
- Entrem ! Rápido, fomos acusados por uns taxistas espanhóis e a polícia vem atrás de nós...E vocês põem-se à espera mesmo à frente do posto da polícia?!...
As imensas planícies castelhanas começavam a fugir velozmente ante os olhos ensonados! O passador continuava insistentemente a procurar a polícia no retrovisor e isso inquietava-nos. As cadeias em que meu pai (com o sr. Franquelim Ramalho, o sr Acácio Anciães e o cunhado, o sr Alberto…) estivera, iam-me sendo realidade à medida que íamos passando pelas placas: Ciudad Rodrigo, Salamanca, Valladolid, Burgos, Vitoria, S. Sebastian, Irun... Aquela noite do 1º sábado de Setembro de 1970 viera rápida. Mas agora... A Polícia faz-nos stop. Meu pai fora preso nesta zona, há três anos atrás. Desgraçadamente a história ia repetir-se?... O passador saiu para a noite. A polícia inspeccionava os documentos da carrinha... algumas pesetas passaram para a mão policial e... afinal, eram só as lâmpadas dos faróis que eram de cor diferente...
Mas em Irun os problemas agravaram-se. O passador propunha-me que eu atravessasse a fronteira na alfândega, descaradamente, fugindo à frente da Polícia... Não aceitei. Sabia os riscos que corria: meu pai fora preso e, além de demorar mais de um mês nas cadeias que o levaram de Irun até Vilar Formoso, viu-se envolvido num drama económico que afectava o numeroso agregado familiar. Meses sem ordenado, emprego perdido, novo pagamento (sempre chorudo) ao passador... Como poderia eu agora correr riscos desses?!... Porém, o passador ameaçava-me que tinha de ir já embora... Resisti, não tinha sido o combinado em Portugal. Depois de uma longa conversa, lá cedeu e foi-me entregar então, por vielas confusas, numa casa perdida num labirinto de ruas (que procurei fixar, desesperado). Disse-me que me entendesse com ela, a nova passadora, e desapareceu... No átrio da casa escura, térrea, discutimos um novo preço...Tive que entregar todo o dinheiro que tinha. Fechou-me num quarto e disse-me para estar acordado, logo que ela chamasse, dentro de algumas horas. Aguentei até às sete da manhã... E ela?... Desaparecera? Que faria eu a milhares de Quilómetros da minha aldeia e sem um tostão?!...Sonhava com o ambiente da festa que eu deixara, sem avisar ninguém... Era mordomo... toda a aldeia esperava com foguetes a banda de música ...

Não evitei, cheio de raiva, algumas lágrimas... Amaldiçoei Portugal... Que razões levavam os governantes a não nos deixar ir, legalmente, ganhar dinheiro para depois poder estudar?!... Como o raio de sol que me entrava no quarto, às onze horas senti um estrondo, agitação, correrias ... a passadora empurrou-me bruscamente para um carro que nos aguardava de porta aberta na rua estreita.
Parámos num jardim, nos arredores da alfândega. Com um postal de Irun, mostrou-me um muro alto que se erguia sobranceiro ao braço de mar e que se dirigia para junto de uma ponte. Antes da ponte, havia uma rede que cortava o muro. Era preciso saltá-la... Mas cuidado... a quinze/vinte metros estava a vigiar o guarda da alfândega. Íamos tentar passar na hora de rendição ao que percebi. Agora, astuciosamente, esperava um grito dela para iniciar a caminhada que conduzia à “terra prometida” - Hendaye, França!...
Esperámos várias horas desesperantes. De súbito, apareceu apressada, colocou-me um grupo de mais dez portugueses e atirou-lhes:
- Segui este, ele já sabe tudo...Eu vou com as bagagens esperar-vos do outro lado. Vá, vá...
Fiquei indeciso, mas nem tive tempo de reclamar. Como um relâmpago, ela desapareceu.
Um canzarrão atirou-se a nós no início do muro, mas foi mais o barulho, que podia despertar a polícia, do que o perigo de morder, estava acorrentado. De cócoras, abaixados entre a relva e o muro, não vi o guarda e saltei a rede separadora. Estávamos com o arco da ponte à vista. Gatinhámos pela relva até ao tabuleiro da ponte . O rosto esboçava um sorriso de alívio e...tantos guardas na ponte! Mas ela dissera que aqui já era França...Passámos a medo pelos primeiros que vinham em direcção a nós... Indiferentes, cruzaram-se connosco... Havia bem calados cá no fundo, gritos de júbilo! Ainda não queríamos crer! Dia da nossa festa do Senhor dos Passos!...
A passadora recolheu-nos do outro lado e deixou-nos na Estação dos Caminhos de Ferro. Nem dei conta que me roubara e me deixara sem os parcos haveres que levava no saco de viagem…Outra odisseia ia começar. A viagem até Chartres de comboio, a legalização, o trabalho. Mas já estávamos no paraíso dos francos e, com sacrifício e trabalho, as dificuldades de agora também teriam de ser vencidas!

- Mário Lourenço

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

80 ANOS É SEMPRE UMA BONITA IDADE --- PARABÉNS SENHORA ERIDES


PROCISSÃO -- FESTA DO EMIGRANTE

RANCHO --- FESTA DO EMIGRANTE

PJ -- BAILE DA FESTA DO EMIGRANTE

ARTESANATO CEIREIRO

Beselga é uma das nove freguesias do concelho de Penedono, no distrito de Viseu. Situada na base da Serra do Sirigo, junto da Estrada Nacional nº 229, dista cerca de 8 km de Sernancelhe, 25 de Trancoso, 65 de Viseu e 6 da sede do concelho.
A Ribeira da Dama, com barragem de regadio desde a década de 60, determinou a actividade principal das gentes desta aldeia.
A capela do Senhor dos Passos, à entrada da povoação, é a primeira imagem que se recolhe e o beselguense habituou-se a guardá-la na memória como "ex-libris" sagrado nas suas fatídicas e frequentes jornadas de viandante.

ORIGEM ETIMOLÓGICA

A religiosidade poderá, aliás, ajudar a esclarecer o étimo BESELGA. Em boa verdade, junto à ribeira, na Devesa, há testemunhos da longevidade beselguense: moinho, ponte e calçada roman(ic)a (?), fonte, capela e cemitério não muito longe das OLGAS.
Também junto à "Ponte da Senhora" teria havido uma capela da Senhora das Lameiras, um cemitério e um passal. Esta "Senhora" terá a ver com a ideia sacra de N.º Senhora? Ou ligar-se-á tão só à ideia de "Dama" (nome da ribeira) ou "dona" da medieval Mumadona, senhora de Penedono de há cerca de dez séculos atrás? ...
Pela religiosidade intrínseca à índole popular, parece-me que podemos pensar na evolução de uma basílica que viria da romanização. Nas OLGAS teria começado a Beselga de nossos dias.
Atente-se na possível evolução do vocábulo: BASILICAM > BASILICA> BASILIGA > BASILGA > BASELGA > BESELGA.
Assim, não só a basílica ( = igreja), mas, por alargamento de sentido, a "populatura" medieval que a circundava, teriam tido esta origem.

A JUNÇA

A junça é uma planta que nasce espontaneamente nalgumas serras da região. Era sobretudo na zona de Trancoso que os beselguenses a procuravam.
Ajustadas as condições de arranque com o dono das penedias, partia toda a numerosa família para umas semanas de vida ao ar livre. Normalmente havia uma corte (casebre) no meio do monte onde eram improvisadas camas e onde se guardavam os parcos haveres que deveriam dar para fazer o caldo e as batatas que alimentariam a família, neste despovoado, durante o tempo da colheita da junça.
Arrancava-se a junça enrolando um pau nas plantas e puxando. Ao cabo de três ou quatro semanas, conforme o número de participantes, poder-se-ia obter uma centena de molhadas de junça.
Era então altura de regressar para tratar do transporte: com burros, machos ou carros de bois conforme a quantidade e as possibilidades. Mais tarde, as camionetas ainda aprenderam estes caminhos de ceireiros. Os robustos tractores já não vieram a tempo de ajudar nestas lides: quando chegaram à aldeia, na década de 70, já não havia carradas de junça que justificassem o seu uso.
Chegada a junça à aldeia, era exposta aos últimos raios de sol outonal, para secar, no Adro de Cima, no Quintal da Donana, nas "laijas" já desocupadas das malhadas, ou junto aos palheiros do cemitério.
Depois, era guardada nos palhais ou lojas para, molhada a molhada, ir saindo, à medida que era necessária no serão.

O SERÃO

Em todas as ruas da aldeia havia serões. Serão, entendamo-nos, era não só a actividade que se desenrolava à noite, mas também o local, a loja ou palhal, em que se juntavam cerca de cinco ou seis pessoas para trabalhar a junça.
Quase todos os serões obedeciam às mesmas regras. Havia quase sempre um animal (burro, macho ou cavalo) que ia comendo. enquanto as pessoas se dispunham à roda, sentadas no chão. Várias camadas de palhuço ou estrume, cobertos superficialmente por desperdícios de junça, atapetavam o chão. No centro, dependurada numa corda presa à trave, a candeia ia alumiando os presentes.
Enquanto faziam as ceirinhas, trabalhavam na corda, tosquiavam as pontas de junça indesejadas nos artefactos já prontos, ou faziam tapetes na banca, os ceireiros conversavam, riam-se e, às vezes rezavam. Mas também era frequente o namoro.
De vez em quando, os rapazes que tinham andado a ganhar o dia, na sua "volta ao povo", passavam pelo serão. Traziam cartas que haviam obtido no correio (a taberna do "chefe" às sete e meia), vinham dar um recado, traziam o trigo quente com açúcar que haviam acabado de comprar no forno, ou , pura e simplesmente vinham ver as suas namoradas. Às vezes, as brincadeiras eram autênticos espectáculos de revista à portuguesa, embora improvisados e inspirados no quotidiano aldeão.
O serão decorria essencialmente à noite, depois do terço ou da chegada do correio e terminava pontualmente com as doze badaladas do relógio da torre que anunciava o fecho dos serões.
Mas era também frequente ir-se para o serão logo pela manhã (sobretudo as mulheres) e, aí, continuar todo o dia, sempre que a necessidade de mercadoria se fazia sentir.

O VENDEDOR

Lá por longe, do Alentejo ao Minho, andava o chefe de família. Partira com o animal e urna carga para as primeiras despesas. Combinados com a família os primeiros passos do itinerário, lá ia aguardar, nos locais aprazados, os reforços de mercadoria que, da Beselga, lhe iam enviando. Faziam-no essencialmente pelo combóio. A mercadoria era entregue na Beselga a uma camioneta de carga que fazia a ligação com Viseu, três vezes por semana. Aí, os capachos e ceiras eram despachados através da CP para as estações em que os maridos aguardavam.
Ainda nos primeiros anos da década de sessenta, havia centenas de fardos de mercadoria que ladeavam os muros do "Chão da Igreja" no Adro de baixo à espera da "camioneta dos Carvalhos". Em anos anteriores, ia-se de carro de bois até à Régua.
Em alguns casos, bicicletas com suportes reforçados davam uma ajuda aos vendedores. Percorriam enormes distâncias, conheciam Portugal e só não há noticia de palmilharem o Baixo Alentejo e Algarve.
Depois de quatro ou cinco meses de nomadismo, regressavam à aldeia com o apuro de toda esta epopeia. Era altura de preparar a terra para novo ciclo agrícola e fazer férias de ceireiro.
Com eles vinham as histórias protagonizadas ou presenciadas por longínquas paragens. Vinham notícias do mundo que calcorrearam, perante o ar de espanto dos familiares.

A DECADÊNCIA

Mas as ceiras e capachos da Beselga estavam condenados. A emigração destruiu a célula familiar tradicional. O marido começou por ir para o Brasil e mandar ir, depois, a restante família.
Na década de sessenta foi o êxodo em massa para França. Famílias inteiras abandonaram a aldeia. Na década de setenta a Suíça levou todos os que não tinham profissão especifica.
Se somarmos a isto, a diminuição drástica da natalidade e a deslocação para as cidades, verificaremos que a aldeia é hoje um cemitério vivo dos ceireiros que na velhice vivem de recordações...
Mas se o desaparecimento das pessoas é uma das razões essenciais, a evolução tecnológica matou também os produtos da junça: os capachos de plástico são mais limpos e mais baratos, os lagares de azeite têm ceiras de produtos mais resistentes...
Os ceireiros não foram preparados para estas concorrências. Para dar a volta, era necessário dinheiro e apoio estatal que não se vislumbra. Algumas acções da CEE são feitas por folclore, para dar esmolas aos novos servos da gleba que se pretendem domesticados para épocas eleitorais, mas sem nunca se esforçarem por resolver o problema de maneira estrutural e eficiência para o futuro.
Enquanto se assiste à morte de uma geração de ceireiros que eram autênticas celebridades do meio, outras causas ditaram o golpe de misericórdia neste tipo de artesanato.
Na década de oitenta, uma camioneta apareceu na Beselga. Era de um comerciante dos lados do Porto. Perguntou o preço da junça ao kilo. Ninguém queria acreditar que fosse uma pergunta com senso. O comerciante insistiu. Foram-se fazendo contas e lançou-se um preço por alto. O camionista comprou toda a junça que apareceu na aldeia. Na relutância de alguns, outros ajudavam convencendo os renitentes a vender por ganharem mais assim e sem fazerem o trabalho...
Mas como se havia de passar o tempo dos serões sem junça para entreter as mãos?!... O que é certo é que o homem veio de novo no ano seguinte e voltou a levar tudo. Era para fazer vassouras; diziam alguns. Mas o que é indiscutível é que este negócio foi a ...vassourada... fatal na já débil actividade ceireira.
A camioneta do comerciante já não vem à aldeia: a última vez que veio já encontrou muito pouca junça que não justificou a viagem assassina. Ainda bem.
Apesar disso, os ceireiros são cada vez menos. Estes últimos anos têm saído muitos epitáfios nos jornais: o Manel da Portela, o Zé Chena, a Veríssima, os Jaquetas, o Sr. Mário Andrade, a Pilar, a Miquelina, o Malóio, o Laranjinha, o Olímpio, os Satotas, os Carqueijas, o sr Amílcar, srª Albina, a srª Gumercinda, o Messias...
Mas outros vão morrendo em silêncio. Como a actividade ceireira que lhes deu trabalho, pão e notoriedade durante vários séculos...

- Mário Lourenço

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O NOVO FIGURINO DO FUTEBOL DISTRITAL DE VISEU

DIVISÃO DE HONRA:

Sátão
Lusitano
Viseu e Benfica
Parada
Paivense
Molelos
Silgueiros
Tarouquense
Lamelas
Alvite
Castro Daire
Mortágua
Fornelos
Vale de Açores
Arguedeira
Lajeosa

1ª DISTRITAL - ZONA NORTE:

Sernancelhe
Moimenta da Beira
Vouzelenses
Oliveira do Douro
Ferreira D´Aves
Nespereira
Vilamaiorense
Resende
Ceireiros
Pinheiro de Lafões
Boassas
Sezurense
Roriz

1ª DISTRITAL - ZONA SUL:

Nelas
Farminhão
Carregal do Sal
Vale de Madeiros
Moimenta do Dão
Canas de Santa Maria
Santiago de Cassurrães
Cabanas de Viriato
Vila Chã de Sá
Campia
Mangualde
Parada de Gonta
Sporting de Santar
Nandufe

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

MEMÓRIAS QUE SE VÃO PERDENDO

O progresso tem modificado muito a Beselga.
No Adro de Cima havia duas árvores enormes que eram nossas companheiras de brincadeira. Sob o seu manto protector, aí se jogava ao pateiro, ao “salto e vão” ou, ao cimo das escaleiras da casa (onde nasci) em frente da sacristia, sobretudo quando chovia, ao “salto e mula”. Foram abatidas não sei por que razão. Talvez à procura das garrafas de moedas que o Zé Mário do Rolo dizia terem sido colocadas junto à raiz, no momento em que haviam sido plantadas. Hoje tentam-se réplicas, mas parecem estar amaldiçoadas ou seca ou crescem pouco, devagar.
Ladeando as escadas da casa do lado da porta principal da Igreja, onde com frequência se “arrematava” a poia, vêem-se os sulcos de duas letras cavadas no granito “DE” “V(niversitate)” (aos pés do arrematador). Hoje a casa está em reconstrução. Esperemos que as letras fiquem no sítio em que estão.
Essas letras apareciam repetidas no Adro de Baixo junto à cancela que dava acesso ao Chão da Igreja, uma de cada lado junto do chafariz e do cruzeiro. Sem dúvida são testemunhos da ligação que esta Paróquia de Santa Cruz de Beselga teve à Universidade de Coimbra (e possivelmente ao Mosteiro de Santa Cruz). Estas pedras devem (deviam) ser integradas nas construções porque são documentos históricos que enriquecem as novas construções dando-lhe um cunho de nobreza. Também nos Lameirões há um marco com idênticas siglas próximo da estrada.
No início da década de sessenta , vi como um turista francês ficou impressionado porque encontrou próximo da casa do Sr Basílio, a seguir ao Oitão, na Rua da Devesa, uma inscrição com data anterior à Revolução Francesa(1789). Também essa pedra desapareceu, certamente trabalhada para aparentar nova cara.
Perto do campo de futebol de cinco, na parede da Vinha, em frente da entrada da antiga Escola Primária, ainda existe uma pedra trabalhada que marca uma das estações onde se parava para rezar, quando a procissão descia do Calvário. Esperemos que não desapareça.
Outras memórias há pelas ruas da nossa aldeia. Nesta era de modernidade, faça-se um esforço para conservar o que resta – a memória do passado enriquece o presente e o futuro.

- Mário Lourenço

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

RETRATOS CEIREIROS: A Taberna do Adro…

O Adro era o centro da Aldeia. Era ali que chegava a carreira com as notícias do mundo. Era dali que partiam as carradas de fardos de capachos nas manhãs frias de Inverno na Camioneta dos Carvalhos. Era lá que brincávamos até ao toque de rezar, à noitinha. Aqui, começava e terminava a volta ao povo, nos momentos de repouso. Aqui, se esperava pela missa, pelo terço, pela catequese. E, nos dias de festa, o adro era a sala de estar de toda a aldeia.
Mas no adro mandava a taberna da srª Isaura. Aí nos acolhíamos da chuva. Ali aprendemos a beber as primeiras rodadas. Aí se festejavam os sucessos da vida. Aqui se conversava e convivia. Algumas das mais importantes iniciativas da Associação aconteceram naqueles bancos de tábua improvisados: foi aí que o sr Américo Veiga ofereceu o 1º equipamento que, de pronto, o sr Afonso encomendou para Viseu, para vir na carreira das sete e meia. E, depois, foi o sr. Manuel Brasileiro que, em resposta, ofereceu as meias do equipamento, que não estavam incluídas na 1ª oferta.
Atrás do balcão, paciente, atenciosa, a imagem da srª Isaura parecia estar ali, imutável, há décadas e décadas. Vi-a, ainda miudito quando me ofereceram os primeiros rebuçados. Estava lá, quando íamos de madrugada na carreira das seis para o Seminário. Com ela ouvimos as primeiras narrativas dos que iriam ou vinham da guerra em África, misturadas com as venturas e desventuras dos que iam para a França à fugida, a salto. Lá vinham bebericarna década de sessenta, todos aqueles que terminavam o dia de trabalho na barragem. Depois, sob o seu olhar atento, chegava o sr Rebelo para distribuir a vez da água da represa. Antes dos cafés, os franceses e brasileiros mandavam vir rodadas largas para comemorar o êxito das suas vidas lá fora. E foi também junto dela que, nos finais de sessenta, vimos clandestinamente as primeiras imagens televisivas mesmo depois das nove e meia da noite.
Persistente, depois da morte do sr Afonso, a srª Isaura continuou ali sempre. Já não era pelo ganho, mas não estar lá, era não viver. E apesar de um ou outro dia de fecho, a porta da taberna teimava em reabrir-se vezes sem conta.
Há algum tempo, só uma doença grave foi mais forte que a sua vontade férrea de continuar com aquela autêntica instituição. E só a morte da srª Isaura trouxe a infeliz confirmação de que aquelas portas não se voltarão a abrir para servir de primeira sala de visitas da aldeia…

- Mário Lourenço

CARTAZ DA FESTA DA BESELGA - ANO DE 2011