quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

MORREU O ZÉ DAVID

Hoje foi o funeral do Zé David.
Desde muito novo fui influenciado por ele. Morávamos perto. A minha avó morava na rua da Fonte, junto ao caminho do Seixo e o Zé também. O jornal A Bola que íamos espreitar a casa do sapateiro, Toninho da Salvina, ficava ali mesmo ao lado. Eram os anos do Benfica campeão europeu e ai de quem não fosse capaz de identificar todos os jogadores do quadro que o Zé, devotamente, encaixilhou a partir de uma das páginas do jornal A Bola. Costa Pereira, Ângelo, Germano, Cruz, Cavém…E um a um nós íamos repetindo vezes sem conta sem poder falhar. Ainda ouço os ecos do Artur Agostinho a gritar os golos no armazém do Diamantino, ali junto à Igreja…5-3! Campeões! Águas, Eusébio, Coluna…Também já morreram.
Um dia apareceu triste, ao fim do dia no intervalo da Escola, acabada de inaugurar, para nos contar os roubos e a pancada que o Inter tinha dado nos jogadores do Benfica. Todos o questionavam, porque ele fora o único que vira, nas Antas, o jogo na televisão.
De volta ao povo, o Zé fazia correr notícias pela aldeia, sempre a meter conversa com toda a gente. E era o terror dos canteiros ou vasos de flores: manjericos, cravos, rosas…para pôr na lapela ou na orelha!
Recordo-me de uma noite trágica em que o Zé Fernandes e o Agostinho da Calçada deitaram o fogo à casa e o Zé David correu as várias ruas a berrar ao fogo. Não havia sirenes de bombeiros mas uma correria solidária de gente a trazer cântaros de água da fonte para dar ao Sr. António “Spínola” que despejava do telhado da cozinha de nossa casa, sobre o telhado em chamas, permitiu deixar a nossa casa a salvo.
Nesses primeiros anos da década de sessenta, todos os verões quatro rapazes da escola eram selecionados para passar um mês de férias na Colónia Balnear no Estoril. Fui um dos escolhidos e mal eu imaginava que, nesse fim de mundo (na altura) que me enchia de saudades e nostalgia, iria ser chamado para uma visita:
-Um rapaz da vossa terra está ali e quer oferecer-vos saquinhos de batata frita!
Era o Zé David que trabalhava a vender batata frita por aquelas praias da linha. E nele eu via a Beselga de que me tinham desterrado.
Nesses anos o Zé David, com o Toninho da Salvina, o João do Franklim, Zé Saraiva, Eduardo, Albano, o Afonso Pêras, Fernando do Chico, o Antero, o Manel do Qlino, Horácio… espalhavam o futebol pelo Quintal da DonAna, pelo Adro de Cima ou de Baixo, pelo Campo da Laija da Pipa. Os adversários eram o Seixo, as Antas, Sernancelhe…
Mais tarde, o Zé emigrou para França. Logo num dos primeiros anos, veio com um gira-discos em que rodava, para alegria sua, o Enrico Macias. Também eu viria a emigrar a salto e fui parar a Léves, nos arredores de Chartres. E o Zé estava lá. Vivemos alguns momentos e histórias juntos. Assistimos a um Benfica-Sporting em Paris ainda com alguns dos nomes que ele me metera na cabeça.

(De pé da esquerda para a direita: Jorge Beco, Eduarda, Beto Saraiva,Tónio da Zefa, Afonso Coelho, Teófilo, João Monteiro; Na fila de baixo, da esquerda para a direita: Fernando Carqueija, Manuel Bernardo, Zé Filipe, Zé Manel Veiga, Zé David e Mário Lourenço) 
No Verão de 1971 fez parte da equipa da Beselga (foto acima) que derrotou, em Sernancelhe, as Antas na final do 1º torneio regional Beirão. E num dos anos seguintes ajudou-me a contratar um conjunto que, pela primeira vez, veio revolucionar a 2ª feira da festa a partir da tarde. Foi também com ele que, em 74, angariamos sócios para a Associação que acabávamos de fundar.
Mas o Zé era sobretudo o guardião da banda de música. No Verão, com o Zé Gaitas, o Afonso Pêras, o sr Américo ou Manel brasileiro procuravam bandas nas festas vizinhas que traziam, aos domingos à noite, para dar uma volta ao povo… E o povo saía à rua em alvoroço atrás da banda.
 E, na festa, o Zé não dava descanso às bandas desde que chegavam até partirem. E quando havia conflito com os mordomos, o Zé revoltava-se:
-Quem manda na música, somos nós! Os mordomos pagam um ano, mas todo o povo já fez ou vai fazer a festa e, por isso, nós é que mandamos.
Falámos a última vez no fim do Verão passado…
-Então vamos ter o campo relvado…olá…é mesmo verdade? Não acredito!
Dois meses e pouco depois, o campo relvado foi inaugurado. O Zé não o viu, infelizmente. Gostaria de o ver com a sua corrida de passos miudinhos, com as fintas à moda do Simões, como ele dizia, pelo corredor direito… E na relva o Zé havia de dar espetáculo…
Fica a saudade e a recordação destes momentos que me fizeste reviver. Descansa em paz, Zé!
                                                                                                       -Mário Lourenço

2 comentários:

JOÃO SANTOS disse...

João Santos.
É com enorme tristeza que recebo esta noticia...Perdeu-se um GRANDE Ceireiro, um GRANDE Benfiquista, mas acima de tudo um GRANDE Homem e AMIGO...Era um prazer falar com o senhor ZÉ, durante as férias, sobre o benfica, as contratações, as escorregadelas do J.Jesus Ultimamente, enfim penso que sobre o Benfica o Senhor ZÉ, era uma autentica enciclopédia viva...
Os meus sinceros sentimentos a toda a família... E sei que onde estiver, vai estar a olhar um pouco por todos os CEIREIROS...

Alfredo Ramos Anciães disse...

Muito consternado pela perda do Zé David ou Zé Eiras.
Que Deus o tenha num Bom lugar.
A festa da Beselga vai ficar mais descaraterizada. Depois do Alberto Francês, Afonso da Pilar ... e agora o Zé David a festa perde muito.
Quando fui mordomo a Banda de Música dando a primeira volta ao povo e ao chegar ao pé da Igreja, em vez de contornar pelo Adro de Cima atalhou logo pelo lado esquerdo e o Zé protestou logo. Acho que não reagiu de forma mais brusca pelo respeito que tinha por mim e eu por ele mas mesmo assim indignou-se e eu atalhei dizendo-lhe que não voltava a acontecer. A Música ficava avisada do facto. Não havia mais atalhos, até porque a minha casa é, segundo parece, a única que dá para os dois Adros, o de Cima e o de Baixo. Assim passa em frente à minha porta. Lembro-me também de jogar à bola com ele ou contra ele no Quintal da Don`Ana. A partir da data em que deixaram de funcionar ali os jogos e se realizavam no campo da Lage da Pipa praticamente deixei de participar nos jogos. Hoje tenho pena não ter continuado a ser jogador, não pelos jogos em si, mas pelo maior convívio e pela cultura do futebol.
Mais uma vez a minha homenagem e saudade do Zé David. Não será esquecido.