quarta-feira, 7 de abril de 2010

RETRATOS CEIEREIROS - O SR. ANTÓNIO DA SALVINA

Nos finais da década de 50, em frente à taberna do Chico, e ao lado da casa dos Cabanais, num pequenino palhal, trabalhava o sr. Antoninho da Salvina. Mais ao lado, era a oficina do Afonso Peras. Por ali passavam os interessados pelo mundo do futebol, porque o sr Antoninho assinava, já nessa altura, o jornal “A Bola”. O Sporting do Afonso, do Eduardo… e o Benfica do sapateiro, do Zé David, do Fernando do Chico…eram o principal assunto do falatório. Figura importante também, por ali, era o Chico do Franclim. Ele era o dono da bola de coiro que enchia de ritual os preparativos para um jogo de futebol desses tempos: os gomos do coiro tinham de ser vistos e cosidos pelo sr Antoninho, seguia-se o encher da câmara de ar pela bomba do Afonso, atava-se a bicha para não esvaziar, colocava-se por fim um pedaço de coiro para proteger o buraco. Era então bem ensebada e ei-la finalmente a saltitar. Jogava-se sobretudo no Quintal da Donana ou no Adro de baixo, apesar do Sr Afonso Anciães protestar e mandar mesmo avisar a Guarda.
O sr. Antoninho era o único sapateiro da aldeia e havia uma admirável magia naquela arte de fazer novo daquilo que chegava em estado horroroso: talhar meias solas, pôr uns saltos novos, remendar, deitar umas biqueiras, forrar uns socos com pneu, ou colocar brochas à volta dos tamancos eram tarefas que dava gosto ver. Um dia, meu pai mandou-lhe fazer as minhas primeiras botas com cano,”à mexicana” e eu passei imensas horas a vê-las nascer das mãos mágicas do Sr Antoninho.
Claro, não gostava da profissão. Na altura de emigrar, creio que já na Rua da Fonte, ouvi-lhe dizer que ia para França mas que não queria esta profissão. Bem lhe diziam de lá os familiares para levar o material do ofício que iria ganhar muito dinheiro na arte, em Paris. Mas não senhor, a arte ficava cá em Portugal, em Paris queria qualquer outra coisa, mas sapateiro nunca! E eu, pequenito, ouvia escandalizado:
- Como é que quem faz estas coisas tão perfeitas, com tanta ciência, quer ir para outra actividade?!...
O Sr Antoninho chefiava o grupo da bola. Um dia pediram ao meu pai que lhes arrendasse um bocado do Cerieiro para campo da bola. O meu pai, choufer do Diamantino, acabado de casar na Beselga, lá consentiu. Terminado o primeiro ano, havia que pagar a renda. A rapaziada arranjou uma comezaina e, claro, convidaram o meu pai também. Na hora das contas, diz o sr Antoninho: - Sr Joaquim, sabe quem paga isto? O dinheiro da renda que lhe devíamos dar…
O Joaquim Choufer não achou graça, mas aceitou, que remédio! Bem à sua maneira, no dia seguinte, mandou lavrar o campo ao sr Aníbal da Bernardina e aí semeou o pinhal!
Não me recordo dos jogos no Cerieiro. Valeu, nessa altura, o Sr Henrique, que morava em frente da oficina do Afonso Peras e cedeu um campo na Laija da Pipa. Aí assisti e joguei durante a década de sessenta e primeiros anos de setenta a muitos jogos da Beselga.
O sr Antoninho era um bom conhecedor e comentador dos jogos. Ainda o vi jogar contra Sernancelhe num jogo dos finais de 50. A Beselga perdeu por 3-0. Recordo-me dos passos rápidos e miudinhos do sr Antoninho que jogou a extremo direito. Muito tecnicista, aguerrido e incansável.
Felizmente quando regressou à Beselga e o futebol recomeçou com os Ceireiros, o sr Antoninho fez parte dos corpos directivos. Ausente por razões de trabalho, não testemunhei o seu contributo, mas certamente foi útil, pois foi sempre uma pessoa muito bem informada. É pena que o infeliz acidente lhe tenha roubado a vida quando tanto tinha para dar!
- Mário Lourenço

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