segunda-feira, 1 de agosto de 2011

RETRATOS CEIREIROS: A Taberna do Adro…

O Adro era o centro da Aldeia. Era ali que chegava a carreira com as notícias do mundo. Era dali que partiam as carradas de fardos de capachos nas manhãs frias de Inverno na Camioneta dos Carvalhos. Era lá que brincávamos até ao toque de rezar, à noitinha. Aqui, começava e terminava a volta ao povo, nos momentos de repouso. Aqui, se esperava pela missa, pelo terço, pela catequese. E, nos dias de festa, o adro era a sala de estar de toda a aldeia.
Mas no adro mandava a taberna da srª Isaura. Aí nos acolhíamos da chuva. Ali aprendemos a beber as primeiras rodadas. Aí se festejavam os sucessos da vida. Aqui se conversava e convivia. Algumas das mais importantes iniciativas da Associação aconteceram naqueles bancos de tábua improvisados: foi aí que o sr Américo Veiga ofereceu o 1º equipamento que, de pronto, o sr Afonso encomendou para Viseu, para vir na carreira das sete e meia. E, depois, foi o sr. Manuel Brasileiro que, em resposta, ofereceu as meias do equipamento, que não estavam incluídas na 1ª oferta.
Atrás do balcão, paciente, atenciosa, a imagem da srª Isaura parecia estar ali, imutável, há décadas e décadas. Vi-a, ainda miudito quando me ofereceram os primeiros rebuçados. Estava lá, quando íamos de madrugada na carreira das seis para o Seminário. Com ela ouvimos as primeiras narrativas dos que iriam ou vinham da guerra em África, misturadas com as venturas e desventuras dos que iam para a França à fugida, a salto. Lá vinham bebericarna década de sessenta, todos aqueles que terminavam o dia de trabalho na barragem. Depois, sob o seu olhar atento, chegava o sr Rebelo para distribuir a vez da água da represa. Antes dos cafés, os franceses e brasileiros mandavam vir rodadas largas para comemorar o êxito das suas vidas lá fora. E foi também junto dela que, nos finais de sessenta, vimos clandestinamente as primeiras imagens televisivas mesmo depois das nove e meia da noite.
Persistente, depois da morte do sr Afonso, a srª Isaura continuou ali sempre. Já não era pelo ganho, mas não estar lá, era não viver. E apesar de um ou outro dia de fecho, a porta da taberna teimava em reabrir-se vezes sem conta.
Há algum tempo, só uma doença grave foi mais forte que a sua vontade férrea de continuar com aquela autêntica instituição. E só a morte da srª Isaura trouxe a infeliz confirmação de que aquelas portas não se voltarão a abrir para servir de primeira sala de visitas da aldeia…

- Mário Lourenço

5 comentários:

Anónimo disse...

Em tão pouco se diz tanto!
Este texto é o despoletar de inúmeras vivencias que todos nós tivemos neste local. O adro e a taberna da Sr.ª Isaura fazem parte do diário de memórias de todos os beselguenses!
O adro é o coração da aldeia, onde todas as artérias se encontram... enfim, é a nossa praça central!
Foi bastante agradável ler este documento, porque me libertou a mente para outros momentos e outras pessoas, por exemplo: foi aí que joguei às cartas (sueca) com o Sr. Antoninho, pela primeira vez.
Obrigado Dr. Mário por estes bons momentos que nos faz reviver!
Paulo Leitão

Anónimo disse...

O adro de baixo agora chama-se Praça Padre Carlos Rodrigues

Anónimo disse...

Caro Amigo Mário,

Não consegui ler todo o texto sem chorar copiosamente mas isso não me fez mal. Depois virei-me para os retratos dos meus pais e agradeci a Deus.

Um abraço.

Alfredo Ramos Anciães

Alfredo Ramos Anciães disse...

Caro Amigo Mário

Não consegui ler todo o texto sem chorar copiosamente mas isso não me fez mal.

Depois virei-me para os retratos dos meus saudosos pais e agradeci a Deus.

Alfredo Ramos Anciães disse...

Olá caros Amigos Beselguenses,

Tenho a acrescentar que as portas voltaram-se a abrir o ano passado (2010) dia da festa do Senhor dos Passos aquando da despedida da Música. Pois sendo eu nomeado mordomo para a festa de 2011 foi ali que apresentei o lanche de despedida à Música e a Todos os que tiveram a gentileza de participar. A minha casa (também do Adro) e que servia de arrumações à Taberna ainda só estava com os alicerces depois do projecto de reconstrução. Por esse motivo a velhíssima Taberna que assistiu a memórias mil (quantas mil!) voltou episodicamente a ver a luz do dia. Um abraço. Alfredo.