
Mas no adro mandava a taberna da srª Isaura. Aí nos acolhíamos da chuva. Ali aprendemos a beber as primeiras rodadas. Aí se festejavam os sucessos da vida. Aqui se conversava e convivia. Algumas das mais importantes iniciativas da Associação aconteceram naqueles bancos de tábua improvisados: foi aí que o sr Américo Veiga ofereceu o 1º equipamento que, de pronto, o sr Afonso encomendou para Viseu, para vir na carreira das sete e meia. E, depois, foi o sr. Manuel Brasileiro que, em resposta, ofereceu as meias do equipamento, que não estavam incluídas na 1ª oferta.
Atrás do balcão, paciente, atenciosa, a imagem da srª Isaura parecia estar ali, imutável, há décadas e décadas. Vi-a, ainda miudito quando me ofereceram os primeiros rebuçados. Estava lá, quando íamos de madrugada na carreira das seis para o Seminário. Com ela ouvimos as primeiras narrativas dos que iriam ou vinham da guerra em África, misturadas com as venturas e desventuras dos que iam para a França à fugida, a salto. Lá vinham bebericarna década de sessenta, todos aqueles que terminavam o dia de trabalho na barragem. Depois, sob o seu olhar atento, chegava o sr Rebelo para distribuir a vez da água da represa. Antes dos cafés, os franceses e brasileiros mandavam vir rodadas largas para comemorar o êxito das suas vidas lá fora. E foi também junto dela que, nos finais de sessenta, vimos clandestinamente as primeiras imagens televisivas mesmo depois das nove e meia da noite.
Persistente, depois da morte do sr Afonso, a srª Isaura continuou ali sempre. Já não era pelo ganho, mas não estar lá, era não viver. E apesar de um ou outro dia de fecho, a porta da taberna teimava em reabrir-se vezes sem conta.
Há algum tempo, só uma doença grave foi mais forte que a sua vontade férrea de continuar com aquela autêntica instituição. E só a morte da srª Isaura trouxe a infeliz confirmação de que aquelas portas não se voltarão a abrir para servir de primeira sala de visitas da aldeia…
- Mário Lourenço
5 comentários:
Em tão pouco se diz tanto!
Este texto é o despoletar de inúmeras vivencias que todos nós tivemos neste local. O adro e a taberna da Sr.ª Isaura fazem parte do diário de memórias de todos os beselguenses!
O adro é o coração da aldeia, onde todas as artérias se encontram... enfim, é a nossa praça central!
Foi bastante agradável ler este documento, porque me libertou a mente para outros momentos e outras pessoas, por exemplo: foi aí que joguei às cartas (sueca) com o Sr. Antoninho, pela primeira vez.
Obrigado Dr. Mário por estes bons momentos que nos faz reviver!
Paulo Leitão
O adro de baixo agora chama-se Praça Padre Carlos Rodrigues
Caro Amigo Mário,
Não consegui ler todo o texto sem chorar copiosamente mas isso não me fez mal. Depois virei-me para os retratos dos meus pais e agradeci a Deus.
Um abraço.
Alfredo Ramos Anciães
Caro Amigo Mário
Não consegui ler todo o texto sem chorar copiosamente mas isso não me fez mal.
Depois virei-me para os retratos dos meus saudosos pais e agradeci a Deus.
Olá caros Amigos Beselguenses,
Tenho a acrescentar que as portas voltaram-se a abrir o ano passado (2010) dia da festa do Senhor dos Passos aquando da despedida da Música. Pois sendo eu nomeado mordomo para a festa de 2011 foi ali que apresentei o lanche de despedida à Música e a Todos os que tiveram a gentileza de participar. A minha casa (também do Adro) e que servia de arrumações à Taberna ainda só estava com os alicerces depois do projecto de reconstrução. Por esse motivo a velhíssima Taberna que assistiu a memórias mil (quantas mil!) voltou episodicamente a ver a luz do dia. Um abraço. Alfredo.
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