quarta-feira, 30 de março de 2011

IN MEMORIAM DE FERNANDO E MÁRIO. DOS ANOS 60 AO PÓS 25 DE ABRIL DE 1974

Nos anos 50 a vida na minha aldeia Beselga-Penedono nas Terras do Demo e de Magriço girava muito à volta do artesanato de junça (matéria prima colhida nos montes, lá para os lados de Trancoso) com que se faziam ceiras para assento, outras para a prensa dos lagares de azeite e os capachos para a entrada das casas.
Este artesanato era, sobretudo, executado à noite nos serões e fazia parte dos recursos económicos dos beselguenses. Quem não trabalhava na junça podia igualmente entrar nos serões e assistir a conversas, cantares, brincadeiras, ajudar na manufactura do artesanato, por exemplo puxando à corda para tecer os capachos. Era também nos serões que os jovens se conheciam melhor e onde, muitas vezes, começavam e prosseguiam os namoros.
As escolas primárias eram outras referências da aldeia. Havia separação entre rapazes e raparigas, mas em certas alturas em que o professor Francisco Fonseca precisava sair, abria-se uma excepção e juntavam-se os alunos na escola das raparigas. As brincadeiras, tais como: a macaca, escondidinha, pocequito, pateiro, pião, carronda, etc. faziam parte dos momentos livres.
A televisão, em Portugal, iniciou as emissões regulares em 1957, porém, a Beselga como ainda não tinha luz eléctrica, só em meados da década seguinte viu os primeiros aparelhos, apenas acessíveis a alguns proprietários de estabelecimentos comerciais.
O Fernando Lopes mais conhecido por Fernando do Carqueija, além da escola, tinha de trabalhar para ajudar o pai – Sr. António Carqueija que era ceireiro e se deslocava por terras de Portugal para a venda do artesanato.

Como colega de turma da primária, lembro-me do Fernando das actividades escolares mas também das brincadeiras e das caminhadas para o Beleco, local onde ambos tinhamos propriedades. Relembro a apanha de frades, míscaros e castanhas.
O Fernando ajudou-me a fazer um “carro” das castanhas, executado com duas rodas de pau, um eixo de ferro constituído por uma barra ou um prego grande, um tirante também de pau em que a parte superior pousava sobre o ombro e uma haste atravessada em cruz e que funcionava como guiador. Com este “veículo” transportavamos as cestas e os sacos com o produto do dia.

O Mário Aguiar vivia perto da estrada. Esta sua ligação às vias de comunicação através do seu pai que era cantoneiro e a localização da sua casa onde, por vezes, eram guardados materiais e veículos da Junta Autónoma das Estradas terá influenciado, desde muito jovem, a mentalidade do Mário. Viseu, Lisboa, França, Brasil e África, desde cedo começaram a fazer parte do seu imaginário.
Em meados dos anos 60, ainda era menor de idade, transmitiu-me a ideia de que ía para Angola onde, na altura, havia conflitos relacionados com os movimentos independentistas. Acompanhei-o nos últimos dias, antes da sua partida, nomeadamente à capela do Sr. Senhor dos Passos onde foi orar, despedir-se e naturalmente desejar protecção.
Na altura, emigrar para África ou para o Brasil era praticamente sinónimo de dizer adeus para sempre.
Nada fazia prever que ambos nos reencontrássemos passados uns anos, fruto de mudanças históricas. O Mário acabou por regressar de Angola, como “retornado”. Eu próprio, entre finais de 1973 e quase finais de 1975 também era uma espécie de retornado ou regressado, sem perspectivas de emprego, visto que chegara da guerra de Moçambique, sem trabalho e sem formação.
O facto de haver muitos retornados das ex províncias a integrar, quer nos empregos de Estado, quer nas empresas particulares, acabou por dificultar a entrada no mercado de trabalho para todos os que iniciavam ou recomeçavam a vida activa.
Em Novembro de 1975 já o Mário Aguiar estava em condições para me poder ajudar. Cheguei a Lisboa, onde não conhecia praticamente nada. Foi este amigo que me arranjou estadia numa pensão na Avenida Duque de Ávila. Nos dias de folga fizemos alguns passeios e foi ainda com o Mário que assisti ao primeiro jogo de futebol num estádio da capital.
Este ano de 2010 a Beselga e a minha geração ficámos mais pobres. O Fernando e o Mário partiram ainda jovens, depois de doenças prolongadas. Deixaram recordações e saudades.


Texto de Alfredo Ramos

1 comentário:

João Santos disse...

Boa Tarde...

Obrigado a todos os que colaboram com os textos que frequentemente são colocados para que pessoas como eu, consuigam perceber o quanto era dificil a vida para os nossos "CEIREIROS"...São Histórias como estas, que me fazem cada vez mais ter ORGULHO em todos os ceireiros e em ser CEIREIRO...
mais uma vez Obrigado a todos...

Cumprimentos.

João santos...