segunda-feira, 18 de julho de 2011

RETRATOS CEIREIROS: O Senhor Professor Francisco

Todos os que passaram pela Escola da Beselga, na 2ª metade do século XX, o olham com respeito. Alto, magro, ágil, vê-se que foi bom praticante desportivo, a que a origem telúrica emprestou qualidades. Culto, sereno, paciente não se deixava turvar excessivamente pelas paixões, embora, às vezes, se não compreendesse o excesso de zelo pelos princípios que lhe impunham.
Conheci-o já na Escola, onde hoje estão “Os Ceireiros”, nos finais da década de 50. Víamo-lo passar e os mais velhos falavam dele com temor. Os métodos da altura eram baseados nos castigos físicos e ele tinha as marcas do tempo. Mas era dedicado e só o facto de pertencer à Câmara Municipal o fazia faltar uma ou outra vez.
Alguns dias cinzentos, enquanto nos ouvia a leitura, acontecia fechar os olhos ensonados. Acordava subitamente, apesar do nosso silêncio respeitador, olhava o tempo pela janela e dizia, invariavelmente, “vai chover, vem lá chuva”.
Embora reservado, também guardava palavras de estímulo para as situações que o justificassem. A partir de Março, a Escola prolongava-se até às sete da tarde. Jogava bem futebol e organizava-nos como equipas, nos intervalos. Trabalhava muito com os alunos durante os quatro anos, mas aqueles que não davam mostras de estar aptos, não iam a exame. E a Beselga estava bem vista quer no concelho, quer quando íamos estudar para fora.
Politicamente conservador (como se impunha na época) foi, no entanto, capaz de discordar de nomeações de funcionários, por não serem, realmente os mais apropriados. Também não perdeu a sensatez (incómoda para muitos) de nos relatar demoradamente, no dia 28 de Maio de 1963, o funeral de Aquilino Ribeiro a quem se referiu “como um dos homens mais importantes de Portugal, que era natural dali do Carregal, que está hoje a ser sepultado e de quem muito se vai falar no futuro”.
As famílias recorriam ao seu saber para fazer relações de bens que admiravelmente conhecia até ao mais ínfimo pormenor. Recordo-me que, quando a barragem estava em construção, o guarda-rios, sr Rebelo, de Penso, passava manhãs inteiras na Escola a consultá-lo por causa da identificação dos proprietários dos terrenos...
Como qualquer beselguense, cumpria as suas devoções, mas sem beatices exageradas. Um dia, vários alunos chegaram atrasados porque era a missa de um qualquer santo...Não aceitou a desculpa e repreendeu-os, porque “todos os dias são dias de santos e se fôssemos a celebrá-los todos, haveria atrasos diariamente!”
Antes do 25 de Abril de 1974, empenhara-se em não deixar cumprir a tradição da queima do cepo de Natal. Mandou mesmo levá-lo para junto da Cantina escolar e aí ficou. Na noite de consoada de 1974, silenciosamente, a malta nova carregou o cepo. Mas antes de o trazer, subiu as escadas e pediu-lhe autorização. Contra o que alguns esperavam, ele acedeu e autorizou na maior cordialidade.
Quando no Verão de 74, lançámos a Associação, queríamos contar com ele para a secção cultural, nomeadamente para dinamizar e tornar acessível a biblioteca escolar, prontificou-se de imediato e colaborou no Mensagem da Aldeia.
Na época de 81/82 aceitou ser o orientador técnico da nossa equipa de futebol e exprimiu as suas ideias em entrevista que nos concedeu em Agosto de 1982 no “Mensagem da Aldeia”. Dela ressalta o perfil de um responsável conhecedor da matéria, exigente, reconhecendo alguns erros, mas apontando o dedo no rumo certo... Acabaria por desistir no ano seguinte, decepcionado com algumas pessoas e situações. E repetia várias vezes “isto de povo é preciso ter cuidado: ora se é visto como o maior, ora se passa a odiado! Acreditem!”
O Senhor Professor foi das pessoas que mais influenciou a Beselga. Marcou com o seu carácter, as sucessivas hostes juvenis. Mesmo sem nos apercebermos, ganhámos com ele muito do bairrismo são, capacidade de iniciativa, o gosto de olhar para os nossos valores e saber reconhecê-los...Um dia ouvi dizer que lhe foi prestada uma homenagem por antigos alunos. Não o soube com antecedência para poder estar presente. Mas mais do que isso, ele merece uma homenagem que perdure e que exalte pedagogicamente os valores da diligência, da cultura, da dedicação aos valores rurais. Por exemplo o nome numa das ruas da aldeia Devemos-lhe esse acto de gratidão enquanto é tempo!

-Mário Lourenço

Sem comentários: